O DIA EM QUE JOGUEI COM SCHUMACHER – 23/09/2000

Uns dois meses atrás, fui chamado ao motorhome da Ferrari por um de seus seguranças, que também serve café e almoço quando não está afastando algum bico indesejável do ônibus da equipe. Meio surpreso, descobri que era na verdade uma convocação: para defender o time de futebol da Ferrari na quinta-feira do GP dos EUA, em Indianápolis, contra o time do Fisichella e do Trulli. Você vai ser nosso goleiro, disse Salvatore, o Toro. Como o cara é grande, achei mais prudente aceitar a convocação, embora estivesse, havia algum tempo, sem jogar, meio fora de forma.

Antes que comecem a dizer bobagens, sou um excelente goleiro. Se tivesse uns 20 cm a mais de altura, talvez estivesse na seleção até hoje, ou jogando na Grécia em fim de carreira. Mas, mesmo de estatura, digamos, mediana, tenho lá minhas qualidades, que o pessoal da Ferrari conheceu no ano passado no intervalo entre os GPs da Malásia e do Japão.

Estávamos todos num daqueles resorts paradisíacos em Cherating, antes de ir para Suzuka, e os brasileiros, que eram poucos, fizeram um time para jogar com a italianada. Colocamos uns dois malaios no ataque, um inglês na defesa, um japonês na ponta-esquerda e um vietnamita no meio para compor o time e lá fui eu para o gol, depois de rodar as redondezas atrás de uma luva de goleiro, que acabei encontrando. Ganhamos uma e perdemos a outra, com um gol de cabeça do Toro. Mas fui o melhor em campo, disparado, daí a convocação para o jogo de Indianápolis.

Era anteontem, e eu tinha esquecido. Saí correndo atrás de uma luva de novo, e não encontrei. Na Malásia tinha. Nos EUA, não. Mas comprei uma chuteira. E cheguei ao estádio, um estadiozinho bem decente, até, atrasado. Os times já estavam em campo. Corri para o vestiário e tive de pegar um uniforme do time branco, o do Fisichella e do Trulli. E para jogar na linha.

Enquanto me trocava, entrou no vestiário acanhado um cara que eu já tinha visto antes. Era Michael Schumacher. O sujeito é boleiro. Ganhou meu respeito definitivamente nessa pelada de Indianápolis. Respeito quem sabe jogar bola. Michael me cumprimentou, como a todos os outros jogadores, e ali ele era um dos nossos. Um comum, um mortal, embora um pouco mais rico e famoso. E de camisa vermelha. Um adversário, portanto.

Fomos para o jogo, entrei na metade do primeiro tempo, e me colocaram de lateral-esquerdo. Como Schumacher era atacante na primeira fase, tivemos um encontro rápido em certa altura da partida. Dividimos uma bola e foi lateral para nós. Resumiu-se a isso nosso contato futebolístico porque, depois, ele foi jogar de líbero, e depois de lateral-direito, e nós perdemos de 1 a 0, e eu não falo com meus adversários depois de derrotas.

Schumacher é bom de bola. Rápido, tem visão de jogo, é inteligente, passa bem, mas chuta mal. Mas é, gosto do termo, boleiro. É aquele cara que corre como jogador de futebol, põe as mãos na cintura, reclama com o juiz e fala o tempo inteiro. Em alemão. Fisichella, meu atacante, já peca pelo individualismo. Xinguei-o duas vezes depois de descidas ao ataque e tentativas frustradas de tabela.
Mas é habilidoso. Trulli é grosso, mas corre muito e é esforçado.

Foi divertido, o dia em que joguei bola com Schumacher. É bom ver que essas figuras têm seus momentos de simplicidade, dividem um vestiário, usam o mesmo uniforme que você. No final do jogo, Michael nem tomou banho. Não sei como, não estava suado, depois de correr tanto. Trocou de roupa e foi jantar em algum lugar.

Quanto a mim, derrotado em campo, ainda esqueci a chuteira novinha que comprei no vestiário. Não faz mal. Joguei bem, não comprometi. Isso é que importa. Mas se eu estivesse no gol, a gente não perdia. E se o Fisichella e o Trulli não perdessem tantas chances, a gente ganhava e o Schumacher não ia sair do campo com aquele sorrisinho besta dos vencedores.

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