CHATO É VOCÊ – 05/05/1995

Também acho que a Fórmula 1 está em crise, às vezes é um saco, mas estou de mau-humor e, por isso, tirei o dia para defender o indefensável. Devo deixar claro que isso se deve ao fato estritamente pessoal de não aguentar mais gente me dizendo ih, a Fórmula 1 acabou, nunca mais vi uma corrida, ih, esse Rubinho sei lá, ih, a Indy é que é legal, ih, depois que o Senna morreu perdeu a graça. Pois bem. Falando francamente, tinha graça na época do Senna? Imagine o cara lá em Dusseldorf, por exemplo, assistindo pela TV a temporada de 88. Só dois carros ganharam GPs. De uma equipe apenas. Um francês e um brasileiro (não esqueci a vitória de Berger na Itália, antes que alguém diga que não entendo nada). Não tinha nenhum alemão na pista. Cadê a graça? E em 90? Pense no pobrezinho perdido entre ovelhas na Nova Zelândia tendo que acordar de madrugada para ver Prost e Senna, e só eles, disputando vitórias. Lá atrás, figurinhas como Alex Caffi e Bernd Schneider, os Schiatarellas da época. Era um porre. E em 92? Mansell, Mansell e Mansell. Alguém de fora daquela ilha gelada gostou do Mundial? E em 93? Dá para acreditar que o campeonato foi legal para quem vive longe do Vale do Loire ou não come croissant? A Fórmula 1 é assim desde sempre. Como no futebol, o domínio dos grandes se repete a cada temporada. A Williams sempre será uma candidata a títulos, assim como o Cruzeiro em Minas e o Inter no Rio Grande. Nem que a linha de ataque desses times seja formada por Piaba, Zé Tijolo e Manequinho. Time grande é time grande. Alguém se lembra da Minardi ganhando um GP para ameaçar a hegemonia do pessoal de ponta? Não. A POrtuguesa também não ganha o Campeonato Paulista. Esportivamente falando, a morte de Senna equivale às aposentadorias de Lauda, Prost e Piquet. Mas se Ayrton, em vez de morrer num acidente doloroso como aquele, tivesse decidido criar galinhas em Goiás o mundo estaria resmungando que a Fórmula 1 acabou? É provável que não. Olhem friamente para esta temporada. A primeira corrida teve três vencedores. Primeiro o Schumacher, depois o Berger, depois o Schumacher de novo. Não há do que reclamar. O sujeito pagou ingresso para um GP só e viu três! Na Argentina, foi a vez do Hill ganhar e do Coulthard, um semi-estreante, fazer a pole sob um dilúvio. Em Imola, Schumacher deu uma cacetada maravilhosa, Alesi quase deu um tiro em Coulthard numa disputa memorável e o Hill ganhou de maneira impecável. Não tá bom? Não tá legal? Então vá ver corrida de Fusca, que é tudo igual e anda todo mundo junto.

O ÚLTIMO TANGO EM PARIS – 07/04/1995

A Fórmula 1 não poderia escolher cenário melhor para discutir suas últimas polêmicas do que Buenos Aires. A história da gasolina da Benetton e da Williams dá um belo tango. O último tango em Paris, lembram-se? Vai ser executado na próxima quinta-feira na sede da FIA na capital francesa, mas infelizmente nem Marlon Brando, nem Maria Schneider vão estar presentes. Eles eram bem melhores do que Max Mosley, Flavio Briatore e a turminha que decide no tribunal o resultado de uma corrida. Ontem a Elf, que faz as gasolinas das equipes proscritas, desafiou os atores de plantão e que ninguém se surpreenda se daqui a alguns dias Schumacher for declarado o vencedor do GP do Brasil. É um ganha-perde-ganha que ameaça minar o que sobrou de credibilidade à F-1. Se a FIA admitir que se precipitou ao cassar a vitória do alemão, vai ter que rebolar para explicar por que não manteve o resultado da corrida provisório até que novas análises fossem feitas na Europa. Dizem que Bernie Ecclestone, o manda-chuva da categoria, teria exigido uma definição naquele domingo porque o público no autódromo não poderia voltar para casa sem saber quem ganhou o GP. Que público no autódromo? Quando saiu o resultado, lá pelas oito da noite, só estavam em Interlagos eu e o pessoal da faxina! Os jornais europeus rodaram sem vencedor. O pessoal que foi ver a corrida estava comendo pizza quando Berger soube que ficou em primeiro lugar. E eu fui dormir sem jantar por causa daquele blá-blá-blá. Se amanhã perder meu bife de choriço por causa de gasolina, de novo, prometo processar a FIA.* É digno de nota: Carlos Reutemann, anteontem, foi a única coisa interessante que passou pelo autódromo na abertura do GP da Argentina. Aos 53 anos, guiou como se fosse um garoto. Deixou a impressão de que se ainda estivesse correndo profissionalmente colocaria no bolso metade dessa molecada que hoje está na F-1. É só dar uma olhada na lista: Domenico Schiatarella, Andrea Montermini, Taki Inoue, Pedro Paulo Diniz… Se juntar todos, não dá um. Que voltem os velhinhos. Tem que acabar essa moleza de piloto se aposentar aos 40.

A FIA ACERTOU – 20/03/1995

É preciso reconhecer: a FIA deu um banho de habilidade na semana passada ao reconduzir Schumacher e Coulthard aosprimeiros lugares do GP do Brasil. Foi uma solução tão genial quanto surpreendente. Eu mesmo, na véspera, apostava comamigos que acham minha bola de cristal a mais polida do bairro que o Berger seria confirmado vencedor ,etc. Falava isso comaquele ar de enfado típico do sujeito que sabe tudo, como se o Gerhard tivesse me telefonado algumas horas antes pra baterpapo. Ainda bem que a aposta foi baixa. Perdi dois conhaques, uma caipirinha e um guaraná diet para um abstêmio maluco que torcepara a Ligier. No dia seguinte, quase caí da cadeira quando chegou por aqui o comunicado de Paris com o resultado dojulgamento. A genialidade está em satisfazer todo mundo – menos Berger, claro. Os dois pilotos ficaram felizes da vida. Quem gosta doesporte pelo esporte, também. Afinal, Michael e David não têm culpa se o pessoal encarregado da gasolina trocou os frascosna hora da análise pré-temporada. Suas equipes não deram a menor importância para o fato de perderem os pontos noMundial de Construtores, um campeonato que só é levado a sério pela Ferrari, que acabou no lucro. A Elf, por fim, saiu dessahistória toda com um atestado de idoneidade. O combustível era legal e o problema foi administrativo, não petrolífero. Ninguémpode acusar os franceses de desonestos. No máximo, atrapalhados. O que, na balança, é um saldo favorável.* Me diverti muito esta semana acompanhando o tiroteio entre Schumacher e Berger pela imprensa européia. O alemãozinho nãoperde uma oportunidade sequer de ser deselegante, apesar do raciocínio de protozoário que expôe em suas enfadonhasentrevistas coletivas. Ameba que é, Michael costuma abusar de clichês e frases feitas e raramente diz mais do que Im veryhappy quando ganha ou Im very disappointed, quando perde. Só que desta vez ele foi bem. Disse que Geraldão da Ferrariseria um grande vencedor se pilotasse tão bem quanto faz relações públicas.Berger dava a impressão de ser um cara diplomático, mas respondeu à altura. Foi até maldoso quando acusou Schumacher deestourar champanhe em Imola no ano passado. É mentira, mas não importa. Torcedor de F-1 é fofoqueiro e adora umarabugice. Do jeito que estão as corridas ultimamente, se não tiver um mexerico aqui e outro acolá, eu vou escrever sobre o quê?