Já que todo mundo faz lista de alguma coisa no fim de temporada, farei a minha também. Não chega a ser uma solução criativa para último texto do ano — de qualquer ano —, reconheço. Mas é uma muleta jornalística das mais bem-vindas, porque não exige muita prática e nenhuma habilidade. Basta um pouco de memória e uma ou outra frase engraçadinha.
Outra muleta é o famoso texto com prognósticos para o ano que vem — normalmente, esta, usada na primeira semana de janeiro. Já lancei mão das duas muletas inúmeras vezes ao longo do tempo: balanços e palpites. Vivemos de analisar o passado e tentar adivinhar o futuro. Em geral, nos equivocamos nas duas missões. É triste, a sina dos escribas do cotidiano.
Bem, feitas as rasas reflexões sobre o ofício, vamos aos melhores e piores da Fórmula 1 no ano que acaba segunda-feira.
Comecemos com o melhor piloto de 2007. Relutei entre Lewis Hamilton e Kimi Raikkonen, mas fico com o finlandês, no olho mecânico. No frigir dos ovos, já que os ovos sempre fregem no final, foi ele quem ganhou o Mundial, calado e sem fazer alarde. Entregaria ao inglês, como consolo, o título de melhor estreante — não poderia ser diferente, nunca um estreante estreou tão bem, embora Jacques Villeneuve, em 1996, tenha sido igualmente vice-campeão, e ninguém o considera um gênio por isso.
A revelação do ano para mim, já que Lewis faturou a taça imaginária de debutante, é o alemãozinho Sebastian Vettel, garoto que ainda vai dar muito o que falar. Maior decepção? A Honda, fácil. Um desastre ecológico, a carroça de Rubens Barrichello e Jenson Button. Por conta de sua ineficiência aerodinâmica, mecânica, eletrônica e estética, o brasileiro fechou o campeonato sem marcar um pontinho sequer, algo que nunca tinha acontecido em sua carreira.
Melhor carro? O da McLaren, com menção honrosa à Ferrari, que contribuiu com o projeto via Nigel Stepney. É verdade que foram nove vitórias vermelhas contra oito prateadas, mas na soma total de pontos, se a McLaren não tivesse perdido todos os seus, a superioridade foi inglesa.
A corrida mais espetacular da temporada não será unanimidade. O GP do Brasil manteve o suspense pelo título até a última volta e é candidato forte. As provas de Nürburgring e Fuji, por causa da chuva, foram igualmente marcantes. Escolho o GP do Japão, já que é preciso escolher um. Afinal, a prova ainda forneceu a mais bela disputa do ano, entre Robert Kubica e Felipe Massa na última volta — valendo quase nada, mas representando quase tudo que gostamos de ver numa corrida. Que se agradeça à água, porém, porque aquela pistinha, no seco, deve ser uma bomba.
Novela mais chata deste ano da graça de 2007: “O destino de Alonso”, aquela que todo mundo conhecia o final, e se arrastou por meses até o anticlímax do anúncio da Renault.
Ultrapassagem mais bonita: Alonso sobre Massa em Nürburgring, ou Hamilton sobre Raikkonen em Monza? A do espanhol valeu vitória e rendeu chiliques dos dois pilotos, então é essa. Na Itália, soube-se depois da prova, Kimi tinha problemas em seu carro e não dificultou as coisas para o inglês.
Acidente mais espetacular? Kubica no Canadá, sem dúvida. Houve também aquela decolagem de David Coulthard sobre Alexander Wurz na Austrália, que quase arrancou a cabeça do austríaco. Mas, felizmente, todos terminaram com suas cabeças no lugar.
A zebra do ano poderia ser o quarto lugar de Vettel em Xangai, uma façanha para quem guia um carrinho da Toro Rosso, mas prefiro as voltas na liderança de Markus Winkelhock na Alemanha — ninguém imaginaria um Spyker ponteando um GP.
O erro mais grave: Hamilton na China, na entrada dos boxes; perdeu o título ali. Massa e Giancarlo Fisichella levam medalhas por terem passado o sinal vermelho no Canadá. Para o ferrarista, a bobeada pesou. Para o italiano, menos. Mas ambos mereceriam voltar aos bancos da auto-escola.
O troféu “Não Vai Fazer Falta Nenhuma” fica para Ralf Schumacher, que sai da F-1 sem deixar saudades,
já que a Toyota não se interessou pela renovação e ninguém telefonou para seu agente para oferecer uma vaga. Nem agente ele tem mais. Já o prêmio “Como Gastar Toneladas de Dinheiro à Toa” é da Toyota, com louvor.
Mas o ano que termina levará consigo, sobretudo, a marca do escândalo da espionagem que nasceu de um traíra nas entranhas da Ferrari e acabou nos tribunais, arranhando reputações e manchando o esporte. Uma lembrança amarga para quem gosta apenas do jogo jogado. Afinal, traição é algo difícil, duro mesmo, de engolir.
Que 2008 seja melhor, então. Nas pistas e na vida.