MELHORES E PIORES – 27/12/2007

Já que todo mundo faz lista de alguma coisa no fim de temporada, farei a minha também. Não chega a ser uma solução criativa para último texto do ano — de qualquer ano —, reconheço. Mas é uma muleta jornalística das mais bem-vindas, porque não exige muita prática e nenhuma habilidade. Basta um pouco de memória e uma ou outra frase engraçadinha.

Outra muleta é o famoso texto com prognósticos para o ano que vem — normalmente, esta, usada na primeira semana de janeiro. Já lancei mão das duas muletas inúmeras vezes ao longo do tempo: balanços e palpites. Vivemos de analisar o passado e tentar adivinhar o futuro. Em geral, nos equivocamos nas duas missões. É triste, a sina dos escribas do cotidiano.

Bem, feitas as rasas reflexões sobre o ofício, vamos aos melhores e piores da Fórmula 1 no ano que acaba segunda-feira.

Comecemos com o melhor piloto de 2007. Relutei entre Lewis Hamilton e Kimi Raikkonen, mas fico com o finlandês, no olho mecânico. No frigir dos ovos, já que os ovos sempre fregem no final, foi ele quem ganhou o Mundial, calado e sem fazer alarde. Entregaria ao inglês, como consolo, o título de melhor estreante — não poderia ser diferente, nunca um estreante estreou tão bem, embora Jacques Villeneuve, em 1996, tenha sido igualmente vice-campeão, e ninguém o considera um gênio por isso.

A revelação do ano para mim, já que Lewis faturou a taça imaginária de debutante, é o alemãozinho Sebastian Vettel, garoto que ainda vai dar muito o que falar. Maior decepção? A Honda, fácil. Um desastre ecológico, a carroça de Rubens Barrichello e Jenson Button. Por conta de sua ineficiência aerodinâmica, mecânica, eletrônica e estética, o brasileiro fechou o campeonato sem marcar um pontinho sequer, algo que nunca tinha acontecido em sua carreira.

Melhor carro? O da McLaren, com menção honrosa à Ferrari, que contribuiu com o projeto via Nigel Stepney. É verdade que foram nove vitórias vermelhas contra oito prateadas, mas na soma total de pontos, se a McLaren não tivesse perdido todos os seus, a superioridade foi inglesa.

A corrida mais espetacular da temporada não será unanimidade. O GP do Brasil manteve o suspense pelo título até a última volta e é candidato forte. As provas de Nürburgring e Fuji, por causa da chuva, foram igualmente marcantes. Escolho o GP do Japão, já que é preciso escolher um. Afinal, a prova ainda forneceu a mais bela disputa do ano, entre Robert Kubica e Felipe Massa na última volta — valendo quase nada, mas representando quase tudo que gostamos de ver numa corrida. Que se agradeça à água, porém, porque aquela pistinha, no seco, deve ser uma bomba.

Novela mais chata deste ano da graça de 2007: “O destino de Alonso”, aquela que todo mundo conhecia o final, e se arrastou por meses até o anticlímax do anúncio da Renault.

Ultrapassagem mais bonita: Alonso sobre Massa em Nürburgring, ou Hamilton sobre Raikkonen em Monza? A do espanhol valeu vitória e rendeu chiliques dos dois pilotos, então é essa. Na Itália, soube-se depois da prova, Kimi tinha problemas em seu carro e não dificultou as coisas para o inglês.

Acidente mais espetacular? Kubica no Canadá, sem dúvida. Houve também aquela decolagem de David Coulthard sobre Alexander Wurz na Austrália, que quase arrancou a cabeça do austríaco. Mas, felizmente, todos terminaram com suas cabeças no lugar.

A zebra do ano poderia ser o quarto lugar de Vettel em Xangai, uma façanha para quem guia um carrinho da Toro Rosso, mas prefiro as voltas na liderança de Markus Winkelhock na Alemanha — ninguém imaginaria um Spyker ponteando um GP.

O erro mais grave: Hamilton na China, na entrada dos boxes; perdeu o título ali. Massa e Giancarlo Fisichella levam medalhas por terem passado o sinal vermelho no Canadá. Para o ferrarista, a bobeada pesou. Para o italiano, menos. Mas ambos mereceriam voltar aos bancos da auto-escola.

O troféu “Não Vai Fazer Falta Nenhuma” fica para Ralf Schumacher, que sai da F-1 sem deixar saudades,
já que a Toyota não se interessou pela renovação e ninguém telefonou para seu agente para oferecer uma vaga. Nem agente ele tem mais. Já o prêmio “Como Gastar Toneladas de Dinheiro à Toa” é da Toyota, com louvor.

Mas o ano que termina levará consigo, sobretudo, a marca do escândalo da espionagem que nasceu de um traíra nas entranhas da Ferrari e acabou nos tribunais, arranhando reputações e manchando o esporte. Uma lembrança amarga para quem gosta apenas do jogo jogado. Afinal, traição é algo difícil, duro mesmo, de engolir.

Que 2008 seja melhor, então. Nas pistas e na vida.

RESPEITO É BOM – 20/12/2007

2007 não foi um bom ano para Ron Dennis. Talvez tenha sido o pior de seus mais de 40 militando no automobilismo. Normalmente acompanhado em textos da mídia especializada por adjetivos como “arrogante”, “prepotente”, “autoritário” e “antipático”, seu nome ganhou mais um aposto para segui-lo, ao menos por um tempo: “trapaceiro”.

O escândalo da espionagem envolvendo seu projetista e um ex-funcionário da Ferrari, que se arrastou por meses e culminou com um pedido público de desculpas da McLaren à “família da Fórmula 1”, arranhou muito sua imagem. Dennis, que nunca foi amado em paddock algum, mas sempre gozou da admiração e do respeito da tal “família” por tudo que realizou no mundo da velocidade, entrou para o rol dos vilões das pistas.

Restaurar a reputação construída em quatro décadas será sua tarefa em 2008. Dennis errou, claro, ao não estancar a sangria de dados vindos da Ferrari assim que soube que Nigel Stepney começara a piar. Errou de novo ao tentar convencer a FIA e seus pares de que nada sabia, e de que ninguém na McLaren deu bola para o calhamaço de informações que chegavam num fluxo sem fim. Foi negligente e, possivelmente, se deixou seduzir pela malandragem alheia que o beneficiava. A tentação de conhecer os segredos dos rivais foi maior.

Não creio, porém, que seja o caso de levá-lo aos tribunais da Inquisição. Entre outros motivos, porque é senso-comum que todas as equipes e todos os técnicos, engenheiros, pilotos e mecânicos buscam informações nos boxes adversários com freqüência muito maior do que gostariam os puristas. Espionagem não é novidade na F-1, nem em qualquer outra categoria. A diferença entre casos que nunca vieram à tona e esse, que quase levou a McLaren ao fundo do poço, é que pegaram o ladrão com a boca na botija.
E o culpado primordial, no fim das contas, vestia vermelho, e não prata.

Mas as razões que recomendam cautela diante do instintivo apedrejamento de Ron Dennis vão além do fato de que ele não é o único a bisbilhotar o vizinho. Elas remetem ao seu passado. Dennis tem uma história bonita no automobilismo. Com 20 anos, começou a trabalhar na Cooper. E aos 21, era mecânico de Jack Brabham. Começou a vida metendo a mão na graxa e ralou muito até comprar a McLaren de Teddy Meyer em 1980, com a ajuda da Philip Morris — isso, dez anos depois da morte do fundador da equipe, o neo-zelandês Bruce McLaren, num acidente em Goodwood.

Ron tinha apenas 33 anos, então. Em pouco tempo, transformou o time numa das maiores potências do esporte motorizado do planeta. E se é verdade que não gosta de falar publicamente da época em que apertava parafusos, nunca deixou o passado de lado, no íntimo. Exemplo disso é que o primeiro carro que Bruce pilotou na Nova Zelândia, na década de 50 — um Austin Seven de 750 cc —, hoje repousa nos salões “high-tech” da sede da equipe, em Woking. Ron não sossegou enquanto não achou o carro, para comprar e restaurar. É uma homenagem silenciosa e pouco difundida a quem tudo começou.

Dennis conhece seu “métier”. Entende de carros, de corridas e de pilotos. E gosta de disputas. Parece até ter um prazer sádico de ver seus pupilos se trucidarem. Como fez com Senna e Prost nos anos 80, Raikkonen e Montoya há alguns anos, Hamilton e Alonso em 2007.

A F-1 deve tais duelos a ele. Não é pouca coisa.

O QUE A MORTE ENSINA – 14/12/2007

Sempre que morre alguém em corridas a tendência é achar um assassino. Foi assim com Senna em Imola/1994: o muro, a área de escape, o asfalto, a curva, a suspensão, a pressão dos pneus, a coluna de direção soldada, Patrick Head, Frank Williams.

Ayrton morreu porque a barra de suspensão entrou por sua viseira. Foi o desfecho de uma sequência de fatos que teve, isso sim, personagens como o muro, a área de escape, o asfalto, a curva, a suspensão, a pressão dos pneus, a coluna de direção soldada, Patrick Head, Frank Williams… Ninguém morre numa corrida por apenas um fator. É como acidente de avião. Uma sequência de fatos que redunda em algo grave. Ou não.

Escapar na Subida do Café acelerando, como aconteceu com Rafael Sperafico domingo passado em Interlagos, não é raro. É uma curva para a esquerda, inclinada, na qual os carros tendem a escapar para o lado de fora por conta da aceleração e das forças que agem sobre eles.

Ruim é ricochetear na barreira de pneus e voltar para a pista. Às vezes o carro apenas “lambe” os pneus e por lá fica. Em outras, pode até voltar, e se não tiver ninguém atrás, nada acontece. Ocorre que era uma relargada, e havia um monte de gente subindo a ladeira, todos de motores cheios, um espremendo o outro, como sempre acontece nas provas da Stock e da Stock Light.

Poderia ter sido uma batida banal se Rafael estivesse em último, ou se todos conseguissem desviar. Ele não se machucaria, porque o impacto se deu do lado do “passageiro”. Mas Renato Russo, que vinha atrás, teve pouquíssimo tempo para reagir e bateu acelerando, num ângulo de 90 graus. Bem onde fica o piloto, no meio do carro. Um pouco mais para a frente, um pouco mais para trás, talvez não resultasse numa fatalidade.

A Stock não é assassina, nem a Subida do Café, nem Renato Russo, nem Interlagos, nem ninguém. Mas acidentes ensinam e é preciso aprender com eles. No caso deste, há mais a se estudar além de sua dinâmica, causas e consequências.

É óbvia e indispensável a discussão sobre a curva. Qualquer autódromo do mundo pode ser melhorado. Os pneus não funcionam lá? Que se tirem os pneus, que se aproxime o muro numa configuração de oval, que se analise o caso com a frieza devida e se façam as obras necessárias.

Assim como é óbvia e indispensável a discussão sobre a segurança dessas gaiolas da Stock, desprotegidas por carenagens frágeis, chassis envelhecidos e nunca submetidos a testes de resistência. Preocupação que a Confederação Brasileira de Automobilismo deveria ter e nunca teve. São carros pesados e mal construídos, resistem a certos impactos, mas não a todos. Não há célula de sobrevivência propriamente dita. Há proteção de tubos de aço, mas ela é claramente insuficiente. Já que há tanta grana rolando na Stock e em seus filhotes, a Light, a Júnior e, no ano que vem, as Pick-ups (que usará o mesmo chassi tubular), que se gaste um pouco do que entra para dar segurança aos pilotos.

Mas há que se refletir, também e principalmente, sobre a qualidade dos pilotos que guiam esses carros. Como o Brasil não tem mais categoria-escola, muitos saem direto do kart, ou do kart indoor, educados em bater uns nos outros para fazer ultrapassagens. Alguns são muito jovens, inexperientes, agressivos em excesso. Sperafico levou um toque e por isso bateu nos pneus. A Stock (e a Light) é um jogo de bate-bate que, na maioria das vezes, não dá em nada além de carenagens rachadas e pilotos que não sabem ultrapassar fazendo beicinho.

Na maioria das vezes. Não em todas. Corrida de carro é uma brincadeira perigosa. E por isso não pode ser encarada como brincadeira. Que a morte de Rafael Sperafico sirva de lição aos pilotos, portanto. São eles os que mais têm a aprender. São eles que devem decidir o que pretendem fazer de suas vidas e com as vidas dos outros.

A PRIMEIRA A GENTE NUNCA ESQUECE – 07/12/2007

É foda.

Ainda bem que o português tem dessas expressões, precisas, incisivas e sem dúvida nenhuma.
Minhas primeiras 500 Milhas serviram para separar os kartistas em grupos.

Há os bons. Dos que encontrei na pista em algum momento, Barrichello, Burti, Nelsinho, Tony e Pizzonia. Foram os que identifiquei pelo capacete na enlouquecedora corrida da Granja Viana. Todos, claro, me passaram.

Os outros também. E chegamos ao segundo grupo. Se o primeiro tem pilotos absolutamente limpos e com total controle sobre a situação, este número zero-dois é o dos esfomeados, que se pudessem passavam por dentro de quem está na frente. Vêm dando porrada, abrindo caminho com a doze. Fanfarrões. Deles levei algumas dezenas de toques. Em três, rodei.

É um saco.

Ainda bem que o português tem dessas expressões. Só elas definem sem meias-palavras o que se sente numa rodada, esperando todo mundo passar para voltar à pista.

E há o terceiro grupo. Dos igualmente anônimos, como os do zero-dois, que sinalizam, agradecem, se desculpam, passam a prova inteira se comunicando por gestos. Espalham uma certa solidariedade pela pista. É reconfortante.

Fazer uma prova dessas, de noite, por horas a fio, é cansativo, mesmo que se guie por 25 ou 30 minutos, como eu. Porque mesmo quando você não está pilotando, tem um colega seu ali, e é como se você pilotasse com ele e por ele. E porque o tempo todo tem alguém à sua frente, ou atrás. O tempo todo, a cada curva, é preciso negociar algo. É virtualmente impossível dar uma volta limpa, sozinho. Aliás, solidão não existe. Os pilotos andam em bandos. Um empurrando o outro, o outro oferecendo o vácuo ao um, todos em turma.

Pelo que soube, peguei o kart em penúltimo e devolvi na mesma posição, isso lá pelas duas da madruga. Não me lembro de ter passado ninguém. Não vi os tempos de volta, mas pegaram no cronômetro manual e disseram que eu virei em 1min cravado. Os caras da ponta andavam em 57s. É uma diferença brutal, claro. Mas é o que deu para fazer.

Por fim, minha volta aos boxes. À Hamilton. Quando estava entrando, me assustei com uma fita plástica que parecia estar à altura do meu pescoço. A morrer enforcado, preferi enfiar o pé no breque. Rodei na entrada dos boxes.

Bem, Hamilton fez isso na China e é vice-campeão mundial de F-1. E lá não tinha fita plástica para enforcar ninguém.

Não terminamos em último. Depois de trocar de motor três vezes, depois de uma batida fortíssima de um de nossos pilotos-jornalistas da brava equipe “Red Bulletn” (que não se machucou, mas o kart teve de ser reconstruído), depois de refazer a carenagem, depois de perder um cubo de roda, chegamos ao fim. Vimos a bandeira quadriculada.

Foi uma vitória. Porque vitória, numa prova dessas, é ir até o fim.

A FIA e a Renault
A McLaren exagerou tanto nas denúncias contra a Renault, tendo de se retratar antes do julgamento de quinta-feira, que o resultado não poderia ser outro: equipe culpada, mas sem punição porque o episódio, segundo a FIA, “não interferiu no campeonato”. Agora é capaz de a Renault processar a McLaren por calúnia e difamação.

A Renault e Alonso
Sem punição, abre-se de vez a porta para Alonso assinar com sua ex-equipe. Com Nelsinho de companheiro. É questão de dias. Da semana que vem não passa.

A Renault e Kovalainen
E o pupilo de Briatore, para onde vai? Para a McLaren. Também já está certo. E a equipe prateada será a primeira a ter como titulares pilotos oriundos da GP2. De todos, quem vai acabar se saindo melhor é ele. Sai de uma Renault incerta para uma McLaren forte. Alonso faz o caminho inverso sem saber exatamente o que terá nas mãos. Para Nelsinho, qualquer coisa é lucro. É estreante, e começar de cara num time de porte está de ótimo tamanho.

Todos e os slicks
Nesta semana, em Jerez, a maioria dos pilotos teve a chance de testar os slicks que serão usados em 2009. Schumacher foi um dos que se divertiram com os pneus lisos. E andou muito bem na sexta-feira. Com a configuração aerodinâmica de 2009, 25% menos de “downforce”, ficou em quarto. Como sempre, um assombro.

O PRIVILÉGIO DE VER PIQUET – 29/11/2007

Nelson Piquet resolveu se divertir. A carreira do filho está bem encaminhada e ele será anunciado, mais dia, menos dia, como titular da Renault para 2008. Sua parte de pai ele já fez. Monitorou cada passo do rebento no kart, na F-3 aqui e na Inglaterra, na GP2. Depois, articulou seu ingresso na F-1. Formou um piloto com currículo e talento. Agora é com ele.

Hora de voltar a correr, então. Aos 55 anos, o tricampeão anunciou nesta semana que vai disputar a versão brasileira da GT3, categoria que estreou por estas bandas neste ano ainda de maneira tímida, mas com um cartão de visitas respeitável: o elenco de carros.

São eles, por enquanto: Lamborghini Gallardo, Ferrari F430, Porsche 997 GT3, Dodge Viper, Corvette, Aston Martin DBRS9, Jaguar. É um time e tanto. Pena que nesta temporada os grids foram magérrimos, com não mais do que 12 largando. Oficialmente, faltavam carros à venda no mercado europeu, onde a GT3 tem vários campeonatos.

Nelson escolheu para correr em 2008 o Ford GT, uma recriação do mítico GT40 que a fábrica de Detroit projetou nos anos 60 para derrotar a Ferrari em Le Mans — e conseguiu. É lindo de doer. Ele já tem um, de rua.

Espera-se que no ano que vem mais gente participe. É uma brincadeira cara, para pilotos milionários, nem todos do mesmo nível, mas aos olhos de quem gosta de automobilismo, isso não importa.

Num país em que a única alternativa de corrida é a Stock Car com suas bolhas desconjuntadas, a GT3 surge como um alento. E com um tricampeão como Piquet envolvido, a perspectiva de crescimento é das melhores.

Neste fim de semana, em Interlagos, a categoria encerra sua curta temporada 2007. É uma chance de ver de perto as supermáquinas em São Paulo em rodada dupla, no domingo. Os treinos acontecem no sábado.

Provavelmente o autódromo estará às moscas, porém. O automobilismo tem sido pessimamente administrado no Brasil e com exceção da Stock e da Truck, com seus eventos corporativos, não tem público. Piquet pode ajudar nisso, também. Vê-lo correndo é um privilégio. Nelson merece casa cheia, sempre.

ANTES TARDE DO QUE NUNCA – 22/11/2007

Vou falar de pneus. Tem coisa mais sem graça?

Aos olhos de quem vê de fora, nenhuma. Um disco de borracha banal e corriqueiro, do qual só nos lembramos quando fura. Coisa mais sem graça, pneu.

Mas ele é o maior companheiro de um piloto. Rigorosamente tudo que um carro de corrida carrega em suas entranhas precisa de um intermediário para transformar tecnologia em velocidade, para jogar no asfalto as invencionices de engenheiros e projetistas que passam dias e noites quebrando a cabeça para fazer uma máquina andar mais rápido. O pneu é o elo entre o mundo virtual e o mundo real das pistas.

Desde 1998, a F-1 usa pneus que não existem no mundo real. Riscados, “grooved”, como se diz — não servem para nenhum carro de rua. Os clássicos pneus de competição lisos, “slick”, foram aposentados em nome da segurança no final de 1997.

A teoria dos dirigentes, preocupados com a escalada da performance dos carros que parecia fora de controle diante de tantas novidades eletrônicas e aerodinâmicas, era simples de entender: menor área de contato com o piso graças às ranhuras, menor velocidade nas curvas, menos acidentes.

O primeiro a se insurgir contra os pneus que passariam a ser exclusivos da F-1 (nenhuma categoria adotou esse modelo) foi Jacques Villeneuve, o último campeão mundial da “era slick”.

Jacques, na época, disse que os pneus com ranhuras iriam acabar com as ultrapassagens. A teoria também era simples de compreender: menos contato com o piso, menor aderência mecânica e, consequentemente, redução da margem para assumir riscos. Era colocar um carro com esses pneus fora do traçado ideal, na parte suja, para escorregar, desequilibrar as freadas, perder o controle. Ninguém arriscaria mais nada. As corridas seriam transformadas em procissões intermináveis, um carro atrás do outro, dependentes crônicos de suas asinhas e asonas.

Bidu. Foi exatamente o que aconteceu.

É verdade que a borracha pelada também nunca se prestou a um automóvel urbano, o que derrubaria a tese de que tudo que a F-1 inventa precisa ter alguma aplicação na indústria automobilística. Isso, na prática, não vale para os pneus, cuja tecnologia de produção e desempenho para carros de rua é mais do que desenvolvida.

Mas os “slicks” eram a essência secular da competição: feitos para grudar no chão, despejar a potência dos motores e seus acessórios no solo sem subterfúgios. Não foi uma boa idéia mexer neles. Desde que passaram a ser usados, os pneus lisos e pegajosos ampliaram os limites dos pilotos, alargaram as pistas, esticaram as zonas de frenagem.

A temporada de 2007 foi a décima da F-1 com os pneus raiados. No início do mês que vem, as equipes terão um dia para testar “slicks” de novo em Jerez de la Frontera. É a primeira experiência da Bridgestone, baseada no que se usa na GP2, para levar adiante a idéia é trazê-los de volta em 2009.

De tudo que se discutiu nos últimos anos sobre regulamento, é a única medida que vai mudar alguma coisa na categoria.

Antes tarde do que nunca.

O HOMEM E O CARRO – 15/11/2007

Diálogo imaginário entre um homem e um carro, que bem poderia ter acontecido terça-feira em Barcelona, na Espanha.

Você por aqui, por onde andou este tempo todo?, Eu parei, já tinha dito isso a você, vim só ajudar, dar uma força, rever os amigos, Ah, meu caro, os tempos são outros, as coisas mudam muito rápido, aquele grandão que conversava com a gente pelo rádio arrumou outro emprego, aquele baixinho que roia as unhas e ficava com o cronômetro na mão vai cuidar da fábrica, e agora tem um loirinho no teu lugar, ele fala pouco, mas é muito bom, Melhor que eu?, Olha, você pode achar o que quiser de você mesmo, mas nos últimos dois anos aquele cara de sobrancelha grossa te deixou comendo poeira, e o loirinho, neste ano, ganhou dele, Você está me provocando, Nada disso, só estou contando o que andou acontecendo por aqui por estes tempos enquanto você cuidava dos filhos, dos cachorros e jogava bola, e ainda apareceu um neguinho pé de chumbo que iria te deixar no chinelo, acho melhor você sair de fininho, aproveita que não tem ninguém olhando e volta para casa, Você está me provocando, sim, vou mandar ligar o motor, Cuidado para não se atrapalhar com os botões, tem coisa nova aí no volante que você nem sabe para que serve, Eu lembro de tudo, deixa comigo, Lembra para que lado tem de virar e onde tem de brecar?, Eu vou te mostrar, você está falando demais para quem não tem boca, E você está meio barrigudo, cuidado para não dar vexame, se quiser eu finjo uma pane hidráulica para não ficar feio e a gente encerra essa brincadeira agora mesmo, Dá para ficar quieto e ligar o motor?, OK, depois não diz que eu não te avisei, quer passar vergonha, que passe, Não vou passar vergonha, estou um pouco nervoso, mas acho que ainda sei o que fazer, Certo, sabe o que fazer, só não esquece que é o pé direito que acelera e o esquerdo que breca, vai, engata a primeira e não deixa morrer, Você está falando demais, como sempre, se prepara porque estou começando a gostar, Ora, ora, não é que está querendo levar o negócio a sério, freou depois dos 50 metros, puxa vida, mas não abusa, isso aqui não é brinquedo para aposentado, é rápido e perigoso, se bater dói, Presta atenção na pista e fica quieto, estou tentando me concentrar e você não para de falar, Ei, vai devagar, não acelera no meio da curva desse jeito, não tem mais controle de tração, quer me jogar no muro?, Eu sei, a Jordan também não tinha, Jordan?, Não é do seu tempo, Bom, faça como quiser, mas não esquece de olhar o espelhinho, amigão, pode ter gente mais nova querendo te passar, eles não respeitam ninguém, Eu só olho o espelhinho para saber quanto estou na frente dos outros, Mascarado, Você sempre falou demais, esse é seu problema, Tudo bem, vou ficar quieto, faz a última curva e vê o tempo, Estou em primeiro, Nada mau para um velhinho, Velhinho é sua avó, Continuas marrento, E aí, gostou?, Sinceridade?, Sim, pode falar a verdade, Quando é que você volta de vez?

VAI DAR SAUDADE – 08/11/2007

Vai dar saudade da largada noturna? Vai. Dos pilotos de um lado da pista e os carros no outro? Vai, também. Do enorme troféu da Bardahl? Sem dúvida. Das carreteras, dos DKWs, dos JKs, dos Opalas, dos Mavericks, dos Fuscas, dos Golzinhos, dos Voyages, do churrasco na beira da pista, dos acampamentos, na neblina, do sol nascendo?

Sim, vai dar saudade.

Mas as Mil Milhas Brasileiras não existem mais, graças à inépcia dos dirigentes do automobilismo brasileiro, que as deixaram morrer. E a Mil Milhas Brasil, sábado, é a partir de agora a prova que ocupa esse espaço no calendário de grandes corridas de Interlagos.

Essa não tem nada a ver com aquela, que nasceu em 1956 sob a batuta do Barão Wilson Fittipaldi e do Centauro Motor Clube. Tirando o local e o percurso, aquela prova que deu o grande impulso a esse negócio de corridas de carros no Brasil e essa que veremos neste fim de semana nada têm em comum.
São outros carros, outros pilotos, outros horários, outro público, outras línguas.

Seria o caso de dizer: as Mil Milhas morreram, viva as Mil Milhas?

Sim, pode-se dizer isso, já que não tem outro jeito. Afinal, estão em Interlagos os melhores protótipos e os grandes GTs do planeta representando uma categoria, a Le Mans Series, que é hoje o que se pode chamar de Mundial de Marcas — aquele dos carros que fizeram, e ainda fazem, história na maior de todas as corridas, as 24 Horas de Le Mans.

OK, são só 23 carros, mas é um começo. Melhor do que nada. E há pilotos de excelente nível, muitos com passagens pela F-1 (Lamy, Sarrazin, Bouillon, Gené, Minassian…), que disputam um campeonato de seis etapas em pistas como Valência, Monza, Silverstone, Nürburgring e Spa. Todas com provas de 1.000 km, exceto a de Interlagos, que homenageia aquelas Mil Milhas com uma corrida de 374 voltas e mais de 1.600 km de percurso.

É uma prova linda, que mereceria casa cheia, o que, infelizmente, duvido que vá acontecer. Preços altos, informações erráticas nos sites da organização e da empresa que vende os ingressos, falta de divulgação, a indiferença do paulistano, aquilo tudo com o que estamos nos habituando a conviver.

Só que é um evento que todos que gostam de automobilismo têm a obrigação de assistir. Depois da F-1, é a única coisa que presta, em termos de competição sobre rodas, que o país tem a oportunidade de ver em seu território.

Mas que vai dar saudade daqueles carrinhos, do troféu da Bardahl, da largada noturna… Ah, isso vai.

ME VOY, MAS… PARA ONDE? – 02/11/2007

A esperada saída de Alonso da McLaren abre duas perspectivas das mais interessantes para o ano que vem.
Por enquanto, tudo que se sabe é que Fernandito se vai. Não se sabe para onde. E não se sabe quem vem para seu lugar.

A primeira linha de pensamento premonitório diz respeito ao futuro do espanhol. Numa escala de interesse, é mais emocionante a novela sobre seu destino do que a minissérie sobre quem vai ocupar a vaga de companheiro de Lewis Hamilton — esta, a outra atração deste finzinho de ano.

Saber onde Alonso vai correr em 2008 é questão que carrega junto outra que só será respondida ao longo da próxima temporada: o que será capaz de fazer o bicampeão numa equipe média?

Sim, média, porque grande, hoje em dia, existem duas: Ferrari e McLaren. E ele não estará em nenhuma delas no ano que vem. Fernando ganhou dois títulos numa equipe média, há de argumentar o astuto leitor, e eu hei de concordar. Mas lembrando o astuto leitor que, para fazer da Renault uma grande, o espanhol levou dois anos. Foi conquistar sua primeira taça no terceiro.

E aí surge mais uma interrogação: terá Alonso paciência para ficar mais dois anos camelando num time em construção? Ou será ele um Midas, que toca num carro e ele imediatamente vira ouro e ganha corridas?
Bem, foi assim na McLaren, argumentará o mesmo astuto leitor. Afinal, quando ele chegou, a equipe amargava um jejum de 19 GPs e mais de um ano sem vitórias. E, diante de tal observação, nada tenho a acrescentar ao astuto leitor.

Alonso pode, sim, fazer de uma equipe mais ou menos uma campeã em potencial em pouco tempo. Mas tem de contar com uma conjuntura favorável que, se é possível, não parece muito provável.
A ela.

Em tese, 2008 não tem favoritos muito claros. Nem a Ferrari campeã do mundo. Se é verdade que o time de Maranello passou com louvor pelo seu primeiro ano pós-Schumacher, é igualmente verdade que suou para ser campeã, fez menos pontos que a McLaren e só ficou com o título de pilotos porque Hamilton falhou formidavelmente na reta final do campeonato.

Portanto, da Ferrari dá para ganhar.

A McLaren, bicho-papão do ano, um desastre de gestão interna, é páreo? Talvez. Mas Alonso sabe exatamente qual foi seu papel nesta temporada, e quanto os prateados vão perder com sua saída. Será Hamilton capaz de liderar um time com pretensões de título? Tudo que Fernando quer é que a McLaren desabe. Para bater no peito e dizer: “Fui eu que fiz tudo aquilo”.

Assim, visto com esse olhar otimista (para Alonso, claro), 2008 é um ano aberto. Terra de cego, quem tiver um olho (para Alonso, ele mesmo, claro) é rei.

E aí surgem as opções. Todas elas, dependendo do ponto de vista, ótimas. Ou péssimas, porque toda moeda tem dois lados.

Renault: conhece todo mundo, se adapta rápido, mantém o mesmo staff técnico há um bom tempo. Por outro lado, despencou em 2007 e só conseguiu um pódio, numa corrida maluca no Japão.
Toyota: tem dinheiro saindo pelo ladrão, investirá o que for preciso para sair do limbo, seria tratado como um rei. Por outro lado, está na F-1 desde 2002 e em 104 corridas tudo que conseguiu foram seis pódios, nenhuma vitória.

Red Bull: tem potencial, dinheiro, bom ambiente, seria igualmente tratado como um rei, tem um projetista, Adrian Newey, que sabe trabalhar com piloto bom, usa motor Renault. Por outro lado, nunca lutou de verdade por pódios e vitórias.

Williams: é um time clássico, que sempre teve grandes pilotos, e que surpreendeu neste ano com um bom carro, apesar dos recursos limitados por ser uma das últimas “independentes” do grid. Por outro lado, não vence uma corrida desde 2004.

BMW Sauber: essa sim é uma equipe capaz de ganhar corridas de cara, mostrou isso neste ano. Por outro lado, tem dois pilotos contratados e uma administração austera, pouco chegada em gastar rios de dinheiro com salário de quem quer que seja.

Como se vê, o exercício de futurologia sobre Alonso é divertido e amplo, e paro por aqui sem contemplar a hipótese Ferrari, porque essa, se há (e há), é para 2009. O “sonho” de que Alonso falou no fim de semana, provavelmente. Mas não será agora.

E a McLaren? Resta pouco espaço para falar dela. Venha quem vier, será segundo piloto. Dos candidatos, Rosberg e Kovalainen são os que podem causar mais problemas a Hamilton, pois têm a mesma origem, a GP2, e quererão provar que o rapaz não é nenhum gênio. Sutil pode ser uma escolha. É amigo de Lewis e inofensivo. Vettel, novinho de tudo, também pode ser uma boa opção.

Aguardemos. O bom dessa história toda é que este fim de ano, que no mundinho da F-1 é normalmente morno, será dos mais quentes.

DEZ ANOS DE UMA DOCE AVENTURA – 01/11/2007

Eu estava na fila do check-in da British Airways em Heathrow, voltando de Silverstone, quando tocou meu celular naquele julho de 1997. Do outro lado da linha, Leão Serva, com quem tinha trabalhado na “Folha” anos antes. O mercado jornalístico andava agitado com a proximidade do lançamento de um novo diário esportivo. Mas com esse negócio de virar o mundo atrás de corridas, eu não estava entre os mais bem-informados sobre o time que estava sendo montado para dar vida àquela empreitada.

Por isso, foi uma surpresa receber um telefonema do Leão, com quem não falava havia um bom tempo (e até hoje é um mistério o fato de ele ter meu celular, porque era uma linha europeia, conta na Itália, gastava os tubos cada vez que ligava ou recebia chamadas, e por isso acho que só minha mulher e a rádio tinham o número).

“Gomes”, ele me disse, sempre me chamou de Gomes, sei lá por quê. “Dá um pulo aqui que precisamos conversar.” Eu falei que daria o pulo com prazer, mas que teria de ser uns dois dias depois, porque naquele preciso momento estava pegando um avião em Londres, e se possível que me dissesse onde era “aqui”, porque não sabia o que andava fazendo o Leão.

Muito por cima, e ainda bem que falou rápido, porque aquela conta de telefone me dava arrepios, me contou que estava implantando a redação paulista de um jornal de esportes, e explicou mais ou menos onde era o “aqui” para que eu lá desse um pulo. Respondi que sabia vagamente do jornal de esportes, e mais vagamente ainda onde ficava o lugar onde iríamos nos encontrar, mas eu daria um jeito.

Dois dias depois, de volta a São Paulo, peguei o carro e fui até o bairro do Limão, na Zona Norte da cidade. Embora estivéssemos em julho, lembro que fazia um calor dos diabos, a gente sempre lembra de detalhes insignificantes, e que demorei para estacionar o carro. Mas gostei de ver um Karmann-Ghia amarelo parado diante do endereço que devia procurar, e depois vim a saber que era do Leão, e até hoje não entendi como ele cabia naquele carro, o Leão é um cara comprido pacas.

Parei meu carro e fiquei em dúvida sobre o endereço, afinal tudo que havia ali era um galpão sem letreiro, portaria, nada. Um galpão vazio. Mas era lá mesmo, rua e número, entrei e lá dentro encontrei o Leão numa sala que tinha uma mesa, uma cadeira — a dele — um telefone e um laptop. Paredes brancas e carpete cinza, aquele de forração mesmo, requinte zero. Conversamos de pé porque não havia onde sentar.

Rápido e direto, como sempre foi, meu ex-companheiro de intermináveis jornadas na Barão de Limeira perguntou: “Você faz Fórmula 1 pra gente?”. Rápido e direto, como sempre fui, respondi: “Faço”.

Três meses depois, estávamos já em outubro, nasceu o LANCE!, primeiro na internet, depois no papel. Eu estava em Jerez quando o diário foi para as bancas, inicialmente no Rio (mais um mistério: Walter, o dono, não gosta que o LANCE! Seja chamado de “jornal”; é “diário”). Algumas semanas depois, chegava a São Paulo.

Nas suas primeiras edições, o diário registrou o título de Jacques Villeneuve numa das mais polêmicas decisões de Mundiais de todos os tempos, o embate com Schumacher no GP da Europa, a marmelada de Williams e McLaren para ajudar o canadense, a vitória dada de bandeja a Hakkinen.

A temporada acabou, voltei ao Brasil, e fui fazer nova visita ao galpão do Limão. Haviam-se passado alguns meses, e naquele espaço outrora vazio já bombava uma feérica redação, uma rotativa e um punhado de jovens fazendo jornais e construindo sonhos.

O LANCE! comemorou dez anos nesta semana. Colocou nas ruas uma edição especial com um milhão de exemplares. Cobriu três Copas, duas Olimpíadas, centenas de GPs de F-1, milhares de jogos de futebol, vôlei, basquete. É o maior jornal esportivo do país.

Fazer parte disso desde os tempos em que tudo não passava de um galpão vazio, uma mesa, uma cadeira, um telefone e um laptop, é uma honra. Mais ainda quando se entra no mesmo galpão para observar que aqueles jovens de 1997 estão dez anos mais jovens, e que todos aqueles sonhos continuam sendo sonhados, um dia depois do outro.