Onde fica Meca? – 15/03/2001

Não conheço muita gente que cite a Malásia como um de seus possíveis roteiros turísticos do futuro. Há destinos mais clássicos, como Egito, Grécia, Nepal, Tibete e Disneylândia. Depois de vir três vezes até aqui, compreendo a omissão. Não, nada contra a Malásia e seus simpáticos malaios, ao contrário. É um país decente, digno, que cresce visivelmente, tem uma economia aquecida e eficiente em algumas áreas, como petróleo e borracha, e está longe de ser miserável como o Brasil.

Mas é que para vir até tão longe, talvez seja melhor conhecer o Vietnã, ou o Camboja. São países que têm uma história um pouco mais conhecida, passaram por guerras recentes e foram mostrados no cinema em filmes inesquecíveis. A Tailândia, aqui pertinho, também é divertida. “Ana e o Rei” se passa lá. A Malásia, diferentemente, sempre foi muito discreta. E, como seus vizinhos, tem um problema insolúvel: o calor.

Faz calor demais aqui. É quase insuportável. O sol frita os miolos. O asfalto parece que está derretendo. É um inferno. Claro, há o que ver. As torres da Petronas no centro de Kuala Lumpur, por exemplo, os prédios mais altos do mundo. Ou o litoral sul, que no século xis-vê-alguma-coisa foi colonizado por portugueses. Há praias belíssimas, também, mas de praia o Brasil está bem servido. Não, definitivamente, não recomendo a Malásia. A não ser que você seja um fanático incorrigível por Fórmula 1. Nesse caso, venha. O autódromo é uma beleza. Não há nada parecido com Sepang no mundo.

Sepang que, por sinal, fica ao lado do exagerado aeroporto internacional de Kuala Lumpur. Bonito, estalando de novo. Em abril, inauguram um trem expresso que liga o aeroporto à cidade em 28 minutos. São mais de 50 km de distância. Algo que podia ser copiado em São Paulo. Pegar avião em Guarulhos é um calvário.

E foi de lá que saí na segunda-feira, a bordo de um Jumbo da British Airways. Depois de 11 horas de voo até Gatwick, um dos aeroportos de Londres, mais uma hora e meia de ônibus até o outro, Heathrow, e um novo Jumbo, da Qantas, até Cingapura. Mais três horas de aeroporto e, finalmente, mais um Jumbo, da Malaysia Airlines.
Foram três Jumbos em dois dias. É um belo avião. E nenhuma companhia aérea brasileira tem Jumbo. A Varig vendeu os que tinha. Não dá para acreditar num país que não tem Jumbos. Enquanto não houver um Jumbo no Brasil, continuaremos sendo o que somos, é o que sempre digo.

Resort e aviões – Até o ano passado, eu ficava num baita hotel aqui na Malásia. Chamava-se Mines Beach Resort. Tinha praia particular, artificial, chalés e luau. Mas ficava longe pacas. Neste ano, enfiei-me no Pan Pacific, onde ficam todos os pilotos, a 10 minutos do circuito. É mais prático, mas quando abro a janela, em vez da praia, vejo aviões.

O hotel, no entanto, tem suas vantagens. Uma mesa de pebolim em um de seus restaurantes, por exemplo, da qual já falei em outra coluna. Foi lá que encontrei o Button batendo uma bola ontem à noite. E outra: no teto do meu quarto, há uma seta verde num dos cantos. Ela indica a direção de Meca. A Malásia, oficialmente, é um país muçulmano, embora outras religiões sejam professadas sem problemas. Os islâmicos rezam diariamente voltados para Meca, mas num quarto de hotel, sem bússola, é difícil saber para que lado Meca fica. Pertinente, a seta.

Faltou falar do meu carro, obsessão essa minha, de falar de carros. Peguei um Proton Wira branco. Num primeiro momento, pensei que era o mesmo do ano passado, uma baita coincidência. Mas só há Protons Wira brancos para alugar em Kuala Lumpur. Quando chego ao estacionamento do autódromo para ir embora, pego qualquer um. Aperto o chaveirinho e vejo qual acende a lanterna e apita. Aquele que abrir a porta é o meu. Se não for, não tem problema.

Proton é um carro feito só na Malásia. Há duas décadas, o governo malaio resolveu criar uma indústria automobilística no país, importou tecnologia, montou fábricas e sugiu a Proton, que domina o mercado local. São feinhos, mas andam. E o ar-condicionado funciona bem, sem o quê seria impossível viver nesta terra.

CAÓTICAS E DIVERTIDAS – 15/04/2011

O GP da Malásia foi tão confuso, cheio de entradas e saídas nos boxes, ultrapassagens e asas móveis, farelo de pneu para todo lado, rodas tocadas e trocas de posições, que quando chegou ao fim a vontade era de perguntar: quem é que ganhou, mesmo?

Pois é, as novidades de 2011, especialmente os pneus Pirelli feitos para durar pouco e as asas móveis que deixam os pilotos da frente indefesos, fizeram em Sepang sua primeira exibição de verdade. Na Austrália, não tinha dado para ver direito como é que iria funcionar o pacotão da FIA. Na Malásia, deu.
Um fato não dá para discutir: esse tipo de corrida caótica é muito melhor de ver do que uma procissão em que nada acontece. Afinal, mesmo que artificialmente, os pilotos se encontram com os outros o tempo todo, tem sempre uma briga, não falta ação.

É artificial porque o negócio da asa, principalmente, é uma covardia. Tira-se dos dois contendores a prerrogativa que deveria ser básica para separar os bons dos ruins: a capacidade de atacar e a capacidade de se defender. Ficou fácil ultrapassar, em outras palavras. E se é verdade que nos trechos permitidos vai haver muita atividade, no resto da pista ninguém vai tentar nada muito especial.

E não se deve ignorar o fato de que a melhor disputa em Sepang, entre Alonso e Hamilton, não teve asa móvel. A do ferrarista não estava funcionando. Por outro lado, quando neguinho aponta na reta colado no outro os espectadores podem ter a certeza de que alguma coisa vai acontecer.

Os pneus, esses sim, me parecem mais divertidos. A diferença de performance entre os dois tipos, mais duro e mais macio, é muito grande. Para a China, a Pirelli calcula que os macios são coisa entre 1s5 e 2s mais rápidos por volta. Mas como eles gastam muito rápido, esse pico de desempenho tem de ser detectado pelo piloto. E saber dosar o desgaste passou a ser uma habilidade necessária para todos.
Como disse Vettel durante a semana, não basta sentar no carro e afundar o pé no acelerador. É preciso cuidar da borracha, e isso muitas vezes significa tirar um pouco o pé.

As provas, talvez nem todas, perdem um pouco a lógica e dificultam o entendimento — aquela coisa de se saber, dando uma olhada na folha de tempos, que fulano está bem e sicrano, mal. Até os pilotos e engenheiros estranharam o ritmo frenético da corrida malaia. Calcular o momento exato de chamar um carro para o box para devolvê-lo em tal lugar, atrás de tal adversário, e pensar a prova globalmente virou uma tarefa quase impossível.

No fim das contas, pode ser que seja tudo bom para o espetáculo. E se os pilotos e estrategistas das equipes vão enlouquecer, bem… problema deles! O povo quer pão e circo, não é mesmo? Pois o circo até que mereceu os aplausos da platéia neste segundo espetáculo da turnê.

DA FORÇA DA GRANA – 23/11/2006

Começaram a derrubar tudo em Ímola. O GP de San Marino foi excluído do calendário da F1 de 2007, mas deve voltar em 2008. Ninguém gastaria 10 milhões de euros para fazer tudo de novo sem a garantia de uma corridinha que dá dinheiro. E já que vão mexer mesmo, o traçado poderia ser redesenhado. Depois de 1994, Ímola transformou-se no circuito mais chato do mundo. Mais difícil de passar do que Mônaco e Hungaroring. Mas duvido que façam algo.

Já derrubaram bastante coisa em Spa, pelo que fiquei sabendo. Boxes lá de cima, boxes cá de baixo (os que eram usados pela F3000), centro de imprensa, o terraço na La Source… O GP da Bélgica volta no ano que vem. Como de costume, estragaram uma curva legal, a Bus Stop. Que, na verdade, já tinha sido estragada tempos atrás. Agora vai ficar um pouco pior. Mas tratando-se de Spa, a Bus Stop é o de menos. A parte boa (ainda) permanece.

Ímola e Spa, na infra-estrutura, ficarão melhores. Boxes mais amplos, instalações mais modernas e adequadas para jornalistas e convidados, é a marcha do progresso.

Mas dirigentes fazem muitas bobagens. O traçado histórico e único de Hockenheim, por exemplo, foi mutilado, ficou besta e comum. O misto de Indianápolis é de uma pobreza de dar dó. Fuji, pelo que vi, não se compara aos desafios de Suzuka.

Não precisa ir longe. Interlagos, que tinha um dos desenhos mais belos e seletivos do mundo, converteu-se numa minipista sem curvas de alta que, se não é completamente ruim, está a léguas de distância do que foi um dia. E Jacarepaguá… Bem, sobre Jacarepaguá, não há muito o que dizer. O traçado original era excelente em todos os sentidos. Técnico, difícil, de ótima visibilidade para o público. Foi destruído. O lugar onde a Stock correu domingo não merece ser chamada de pista. É um lixo, apenas.

C’est la vie. Enquanto uns vão abaixo, outros surgem. Da última safra da F1, Sepang, Xangai e Istambul são autódromos excelentes, interessantes e luxuosos. Paul Ricard, que não está mais no calendário, e Jerez, fora há anos, também melhoraram com o tempo. Os padrões são outros. Mas no Brasil está tudo parado. O pouco que há vai-se estragando aos poucos.

É bom abrir o olho. Não se faz automobilismo sem autódromo.

FOLGA PARA INTERLAGOS – 12/08/2005

Não vou conferir, mas recebi os seguintes dados estatísticos: a pista de Istambul será a 69ª a receber uma corrida de F-1 desde a primeira, em 1950 em Silverstone. A Turquia, por sua vez, passará a ser o 26º país a sediar um GP.

Vi algumas fotos do circuito. Maravilhoso, como são fabulosos os últimos autódromos incluídos no calendário desde Sepang, em 1999. A Malásia estabeleceu um novo padrão no automobilismo. Luxo, modernidade, arquitetura caprichada. Depois vieram Bahrein e China. Poder-se-ia incluir na lista Hockenheim e Indianápolis em suas novas configurações, mas não é o caso. Foram remodelados, não saíram do zero. Maquiagem, pouco mais do que isso.

As outras, não. Onde nada havia, surgiu uma pista. No meio do deserto, no delta de um rio, numa região rochosa. E com exceção de Sepang, que tem lá suas corridas de moto, turismo e protótipos, o destino das demais é ficar esperando o ano todo pela chegada da F-1. Custaram caro, mas deve valer a pena. A F-1 é um bom negócio para quem sabe ganhar dinheiro com ela.

Sei que ao chegar a Istambul vou imediatamente pensar em Interlagos, velho de guerra, combalido, quase 70 anos de idade. Um autódromo maltratado, mambembe, mas inegavelmente charmoso pelo que representa. O traçado é ruim, desinteressante, uma verdadeira tolice perto do que era a pista antiga. Mas é o que temos.

E me pergunto: por que só temos isso? Interlagos é uma fonte de despesas para a Prefeitura, que só não fatura alto com a pista porque não tem a menor noção de como se deve administrar um parque esportivo. Perguntem aos clubes que organizam corridas todos os finais de semana se não dá para encher as burras com automobilismo. Pagam uma ninharia de aluguel, cobram uma fortuna de inscrição dos pilotos e, na prática, sublocam patrimônio público para enriquecer.

Ouvi falar que há um projeto de autódromo perto de Campinas. Não tenho detalhes, parece que há um consórcio britânico interessado em erguer um centro de agronegócios, parque de exposições, hotel e o escambau a quatro. Junto, uma pista de corridas.

Há mercado para isso no Brasil. O automobilismo por aqui, se não é rico, tem certo vigor. Em fim de semana de campeonato paulista, 150 carros se empilham em Interlagos para correr em sete ou oito categorias. Há provas de Porsche, Maserati, monopostos, tem Stock, Truck, Renault.

Interlagos está mesmo precisando de uma folga. E com pistas espetaculares sendo construídas por aí, a F-1, daqui a pouco, vai ver o Brasil como um estorvo. A não ser que alguém erga um autódromo mais adequado ao século 21. Interlagos, infelizmente, não é e nunca será.

VAI MUDAR – 24/09/2004

A sala de imprensa aqui em Xangai fica elevada, pendurada sobre a pista, é preciso pegar elevador e apertar o 9 no painel. Não tem 8. Na China, 8 é número de azar. Numa das pontas do “olho”, como a gente chama a estrutura, fica a área para pitar um cigarrinho. Acabo de voltar de lá. Passei um tempinho olhando do alto o absurdo construído em Xangai, uma estrutura que não merece a F-1 de hoje.
Merece mais, bem mais. Muito mais do que os minguados 20 carros que alinham no grid na madrugada do domingo, a maioria deles sem a menor condição de ganhar a corrida. Muito mais do que os que estarão aqui no ano que vem, não se sabe quantos, podem ser 18, 14, 21, ninguém sabe.

Nos últimos 13 anos, desde 1991, quando estreou Michael Schumacher, contando a Jaguar, nada menos do que 21 equipes deixaram de existir. Em 1989, eram 20 times enchendo o paddock. Faltava espaço nos boxes e no grid. Nas sextas de manhã tinha um treino de pré-classificação para escolher quem ia participar daquele que a gente chamava de treino oficial. Raramente alguém dessa turma da pré conseguia largar.

Mas era divertido. Imagine 20 equipes. O dobro de hoje. Eram 40 carros, 40 pilotos. Em alguns autódromos, sem boxes, as pobretonas ficavam debaixo de barracas. Uma vez, no Canadá, a Andrea Moda estava sem motor. Pediu emprestado.

OK, velhos tempos, são coisas inimagináveis hoje. O esporte se profissionalizou, virou coisa de gente rica. Se dez equipes é pouco, talvez 20 fosse mesmo um exagero. Tinha gente que participava só por participar, tinha lavagem de dinheiro, tinha um monte de picareta.

Mas, agora, nem dez. E se Jordan e Minardi sucumbirem, serão sete, e aí vão colocar três carros por equipe. É uma pobreza de espírito sem tamanho. Não é concebível que num mundo com tanta fábrica fazendo automóvel, com tanto dinheiro jorrando por todos os lados, um esporte que coloca 500 milhões de pessoas na frente de uma TV a cada 15 dias não consiga atrair gente nova, patrocinadores, montadoras, empresas, equipes. Fazer carro de F-1 não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Quatro rodas, um motor, alguma eletrônica, tudo que existe por aí, no mercado, e vamos em frente.

Mas é claro que não é tão simples assim. Se fazer carro de corrida é fácil, fazer carro de corrida bom é duro e caro. Cada vez mais caro. Por isso a FIA precisa desesperadamente convencer esse monte de queixos empinados que circula por aqui que não dá para gastar tanto, que é preciso mexer nas regras, trazer a F-1 de volta para a realidade. Limitar um monte de coisas, como testes, materiais, pneus, motores. Fazer ver ao mundo exterior que é possível montar uma equipe senão para ser campeã, ao menos para participar de corridas com dignidade.

Caso contrário, autódromos como o da China, como o de Sepang, como o do Bahrein, monumentos ao luxo e à riqueza da F-1, vão virar ruínas de uma categoria que não soube perceber a hora de mudar.

Mas que ninguém se desespere. Vai mudar. Porque do jeito que está, acaba. E a F-1, embora em crise, é uma galinha que dá ovos dourados. Está cheio de gente que vive, e bem, dela. E é essa gente que, apesar do queixo empinado, não deixa ela acabar. Na hora em que o bolso doer, eles sentam e resolvem tudo. Sempre foi assim, sempre será.

DISCOVERY CHANNEL – 30/01/2004

Bahrein, Xangai, Sepang. Carro-tamanduá, periquito, tubarão. E agora a Fórmula Camelo. Fórmula Camelo? Explica-se, rapidamente, até porque é daquelas coisas que dificilmente saem do papel, do campo das intenções ou, mais apropriado seria dizer, do âmbito das excentricidades que vez por outra emergem de países ditos exóticos, ou nem tão exóticos assim — é só lembrar daquela categoria com carros pintados nas cores de times de futebol, picaretagem nascida na Inglaterra que nunca passou disso, uma picaretagem.

A Fórmula Camelo na verdade se chama A1 Grand Prix e foi lançada às areias por um xeque árabe, sobrinho do príncipe de Dubai, que gosta muito de corridas, deve ter alguma Ferrari na garagem de seu palácio e considera aborrecido o período que vai de novembro a março, sem GPs de F-1 para assistir em sua TV de plasma de duzentas polegadas.

Para espantar o enfado, o xeque, ou xeique, já que as duas formas são aceitas no léxico, decidiu criar uma categoria com provas na Ásia, incluindo os países da Arábia, África e Austrália. O campeonato seria disputado nas férias da F-1 para ele ter o que ver na televisão ao lado de suas odaliscas.

Recebi um chamado para o lançamento da A1 Grand Prix, no Jumeira Beach Hotel, dia 30 de março, em Dubai. O nome Fórmula Camelo, claro, criei agora e acredito que não cairá nas graças do povo. Seria melhor, até, que o xeique não soubesse da troça, para não retirar o convite.

De qualquer maneira, me agradam os rumos que o automobilismo vem tomando de uns tempos para cá, com provas em lugares improváveis, circuitos nababescos e a tendência retomada neste ano de recorrer à fauna para descrever carros que já não entendemos mais como funcionam direito. No que diz respeito à geografia, confesso ser sedutora a idéia de conhecer rincões onde jamais pisaria, não fosse por obrigação profissional. Quanto aos carros, prefiro usar um tamanduá como referência para descrever um bico de McLaren do que ficar falando de fluxos de ar, fluidos e “downforce”. Questão de gosto.

E de tudo concluo que tem valido a pena ser um assíduo telespectador de documentários sobre lugares distantes e bichos esquisitos, o que mais me atrai na TV hoje em dia além do Big Brother e dos filmes sobre guerras, pois isso certamente vai facilitar minha vida quando tiver de alugar um camelo para ir a um autódromo um dia.

A propósito, está faltando o carro-camelo entre os que já apareceram para este ano. Mas se você olhar direito para a tomada de ar de qualquer um deles, será impossível não lembrar de uma corcova. Ainda mais agora, que o regulamento mandou aumentar aquela área da carenagem, não sei bem por quê, provavelmente para dar mais espaço aos patrocinadores. Sim, são todos carros-camelo, uns com bico de tamanduá, outros de periquito. A engenharia genética não tem limites.

BOAS E MÁS NOTÍCIAS – 13/12/2002

A exclusão definitiva do GP da Bélgica do calendário é uma má notícia. A pista é esplêndida e poucas corridas têm um clima tão puro de automobilismo como a de Spa, com seus torcedores acampados, o pé na lama, a chuva que pode vir a qualquer hora, as barraquinhas que vendem de tudo.

A falência da Arrows é uma boa notícia. Essa figura perniciosa de Tom Walkinshaw, um vigarista de carteirinha, sai de cena de vez e acabam as mentiras e as palhaçadas, como a que fizeram com Bernoldi e Frentzen em Magny-Cours, impedindo os dois de andar rápido para o time não ter de correr. Todas as cascatas sobre eventuais compradores não passavam disso, cascatas. Uma farsa atrás da outra. A Arrows, que estreou na F-1 patrocinada pela Varig em 1978, não deixará saudades, ao contrário de Brabham, Lotus e Tyrrell, que se foram nos últimos anos.

A dificuldade da Jordan em arrumar patrocínios é uma má notícia. Apesar do caráter quase folclórico de Eddie Jordan, seu time é simpático e tem alguns repentes de competência. Basta lembrar que foi a primeira equipe de Michael Schumacher e que, em 1999, chegou a lutar pelo título com Frentzen. É má notícia porque pode obrigar o irlandês a contratar um pé de chinelo qualquer que venha com dinheiro para reforçar o caixa e enfraquecer a performance. E se isso acontecer, Felipe Massa fica a pé. Menos por ser brasileiro, muito mais por ser um ótimo menino e um piloto, para mim, de enorme potencial, seria uma pena.

A grande chance de adoção, por cinco equipes, do sistema de apenas dez dias de testes no ano, com direito a duas horas de treinos-extras nas sextas-feiras de GP, é uma boa notícia. Esses times, que segundo se comenta serão Minardi, Jordan, Jaguar, Sauber e Toyota, vão economizar dinheiro e poderão se preparar melhor e mais especificamente para cada circuito, dando de lambuja algum tempo de pista a mais para o público e a possibilidade de ver seus terceiros pilotos em ação de perto.

A decisão de Ferrari e McLaren de começar o Mundial com seus carros de 2002 é uma má notícia. O povo quer novidades. Essa opção conservadora fará com que as três primeiras corridas do ano, pelo menos no que diz respeito à Ferrari, sejam bem previsíveis. Em outras palavras: a Ferrari deve ganhar as três, como ganhou 15 de 17 neste ano. Com carros novos, as chances de quebras e probleminhas seriam maiores, abrindo alguma possibilidade de surpresas em Melbourne, Sepang e Interlagos.

O desempenho de Pizzonia nos testes é uma boa notícia. Ontem ele ficou em segundo, andando na frente de Williams e Renault. Depois de dois anos ruins na F-3000, Antonio dá a impressão de que seu lugar era mesmo a F-1. Pode ser um nome forte para os próximos anos.
Como se vê, na F-1 também há boas e más notícias.

MIL E UMA NOITES – 19/09/2002

Já estava decidido. Ano que vem seria meu último ano na Fórmula 1. Estou ficando velho, outro dia apareceu um fio branco nas minhas costeletas (evento tratado com absoluto desprezo por minha esposa), acho que vi tudo que podia nesses quase 15 anos pulando de autódromo em autódromo. Vi Senna estrear na McLaren, cobri seus três títulos mundiais, estive em Imola naquele fim de semana ruim de lembrar, acompanhei o surgimento das gerações de Barrichello, Massa & companhia, relatei as aposentadorias de Prost, Mansell, Piquet, Hakkinen, testemunhei todos os incríveis recordes de Schumacher, visitei fábricas de equipes, ganhei um pistão da Ferrari de presente do Luca di Montezemolo, me emocionei com corridas fantásticas, conheci o mundo, e estava mesmo na hora de parar.

Sempre sonhei em me aposentar antes dos 40, para criar os filhos, cuidar dos meus carros velhos numa casa grande com garagem e escrever livros. Morreria de fome antes de publicar o primeiro, é claro, e teria de vender as velharias para pagar a escola dos moleques, mas sonhar não custa nada e já estava decidido. Au revoir Fórmula 1 no final de 2003, nada me faria mudar de ideia.

Até sábado passado. Foi quando pousou na minha mesa na sala de imprensa em Monza o comunicado assinado pelo simpático sheik Salman bin Hamed Al Khalifa, príncipe do não menos simpático Bahrein. É certo que a papeleta, de chofre, não impressionou muito. De um príncipe, o mínimo que se espera é material nobre, o brasão da família em relevo com detalhes dourados, em papel perfumado e encorpado. Mas veio uma cópia chinfrim, só não mimeografada porque mimeógrafo usa álcool e todos sabem que árabes não bebem.

A decepção com a qualidade da missiva, no entanto, não foi capaz de frear meu entusiasmo com seu conteúdo. Teremos uma corrida em Bahrein! Finalmente porei os pés em território islâmico, verei camelos no deserto, conhecerei mesquitas, posso até cruzar com simpatizantes da Al Qaeda em um beco escuro qualquer. OK, a Malásia também é um país oficialmente muçulmano, mas no primeiro ano de Sepang amarrei um legítimo porre de tequila num bar mexicano em Kuala Lumpur; muçulmanos que permitem a instalação de um botequim mexicano e a venda de margueritas em seu território há tempos deixaram de lado certas recomendações do profeta.

Agora, é Arábia de verdade. Homens barbudos, mulheres de véu, quibes e esfihas autênticas. Não vejo a hora. O mínimo que espero é trocar olhares proibidos com Jades e Latifas – que Alá não permita a minha mulher ler estas linhas, ou queimarei no mármore do inferno.

Aposentadoria adiada, pois. Não perco esse GP das mil e uma noites por nada. E já andam falando em corridas na terra de meu ídolo Mao, na Rússia, no Líbano, na Turquia. Acho que vou ficar nesse negócio mais um tempo.

LAMENTÁVEIS – 22/03/2002

Lamentável, realmente lamentável o adiamento do GP da Rússia. Problemas de contrato, ao que parece. A assinatura seria feita ontem em Moscou, mas ficou para o mês que vem. A pista nem começou a ser construída, para 2003 não vai dar mais. Lamentável. Já tinha preparado tudo para, finalmente, conhecer Moscou, o Kremlin, a múmia de Lenin. Comprei até uma camiseta com a foice e o martelo, na esperança de ainda ser chamado de camarada por alguém. Lamentável, realmente.

Lamentável, também, a punição a Montoya no GP da Malásia. Na hora não dei muita bola, mas revendo a imagem depois fiquei com a nítida impressão que o colombiano não causou acidente nenhum, apenas deu um apertão em Schumacher, mas e daí? Apertar pode. Sacanagem. Já vi coisa muito pior e nem chamar a atenção do piloto chamaram. Verstappen acertando o mesmo Montoya em Interlagos no ano passado, por exemplo: deveriam ter cassado sua carteira de motorista, mas não levou nem uma suspensãozinha.
Lamentável, acabaram com a corrida do Montoya, e ia ser uma briga linda não com o Schumacher velho, mas com o caçula.

Lamentável, igualmente, essa história de punição com efeito retardado que a FIA inventou e que vale a partir do GP do Brasil. O cara faz uma bobagem qualquer na corrida de hoje, os comissários ficam se olhando com cara de bobos e dizendo “ah, é, é?”, quem nem aquele personagem do Jô Soares, e depois de horas resolvem que o sujeito foi culpado, e tiram dez posições dele no grid da etapa seguinte. É como se um juiz de futebol assistisse ao teipe de uma partida, descobrisse que não percebeu o zagueiro empurrando o atacante na área e determinasse que o pênalti fosse cobrado no próximo jogo. Coisa de doido, lamentável, vai dar muita confusão.

Lamentável, por fim, essa história da Phoenix, a equipe que não existe, que apareceu em Sepang com dois carros velhos que nem saíram do aeroporto, e mandaram os pobres coitados dos pilotos até lá, uma viagem longa e desgastante, para ficarem pagando mico, vagando pelo paddock como dois fantasmas. Tarso Marques ainda foi esperto e pegou o primeiro avião de volta. Gastón Mazzacane ficou, tentando explicar o inexplicável.

Lamentável, essa Fórmula 1. Mas que a corrida da Malásia foi boa, foi. E que foi bom a Williams ganhar, também foi.

O CÉU E O INFERNO – 01/03/2002

Entro no Royal Park Hotel na última quarta-feira, para pegar minha credencial desta temporada, e a primeira pessoa que encontro é um sujeito da Sauber, alocado pela Ferrari para cuidar dos motores da equipe suíça. Técnico jovem e competente, namorado de uma brasileira, arranha o português e de vez em quando passa boas informações sobre os bastidores de sua equipe e de outras.

Bom dia daqui, bom dia de lá, e inicio uma rápida conversa sobre Felipe Massa, que está chegando agora. “Ih, não corre na Malásia”, diz o conhecido. Fico surpreso, claro. O garoto acabou de ser contratado por três anos, andou bem nos testes, que história é essa? E vem a explicação: andou batendo nos testes, o Peter Sauber não gosta dessas coisas, odeia piloto que destrói carros, e já está acertando a estreia do Verstappen em Sepang, o mais tardar no Brasil.

E o Felipe?, pergunto. Vai ficar como piloto de testes e no ano que vem corre. A história seria ótima, jornalisticamente, não fosse tão inverossímil. Checa daqui, cruza de lá, e no fim concluí que não era digna de muito crédito. O menino nem tinha começado seu primeiro treino e já estava fora da equipe. Coisa de louco, mesmo vindo de alguém normalmente bem informado.

O boato ganhou o mundo, saiu até na internet. Conversei com o Ricardo Tedeschi, seu empresário, ex-manager de Barrichello. Não tinha ouvido nada sobre o assunto, mas agradeceu: “É bom saber o que falam por aí, mesmo quando não é verdade”. É bom mesmo. Na F-1, o segredo é não ser surpreendido.

História esquecida, e eis que abro a revista oficial da F-1, a “F-1 Magazine”, publicação de altíssimo nível que circula desde o ano passado. Está lá: Massa vai para a Ferrari em 2003. Está tudo certo, contrato assinado, não tem erro. Um futuro mais do que brilhante para o novato que até outro dia ninguém conhecia.

Assim é a F-1. De manhã, Massa tinha perdido o emprego. De tarde, estava na maior equipe do mundo. Do céu ao inferno em poucas horas, sem que nem uma coisa, nem outra, estivesse de fato acontecendo. É bom ele se acostumar. Talvez a melhor forma de conviver com a indústria de fofocas deste mundinho veloz seja fazer como Nelson Piquet: não lia nada, não ouvia nada e não via TV. Desse jeito conquistou três títulos mundiais e seu lugar na história.