NOVELAS E SURUBAS – 03/11/1995

O pessoal aqui do bairro sabe que eu há algum tempo vivo de Fórmula 1. Cheguei a ser muito popular uma época, quando era cercado pelos frequentadores do boteco da esquina, que também serve almoço por quilo, cada vez que voltava de uma viagem a um país distante, de onde trazia notícias sobre as aventuras de nossos rapazes. A turma identificava o táxi do aeroporto, que tem portas azuis, e me cercava antes mesmo de o porteiro abrir a garagem. Com as malas nas mãos, cumpria um ritual cansativo, mas agradável, de ser o centro das atenções e contar, com certo ar de gravidade, alguns causos que não podia escrever no jornal nem falar na rádio. É verdade que o Piquet disse que o Senna…?, e eu confirmava. E o Prost mandou o Mansell…?, e eu confirmava, e era muito bacana. Claro que essa popularidade caiu nos últimos tempos, junto com o interesse geral das pessoas pela Fórmula 1. De um ano pra cá, o táxi embica na rua de casa sem grandes problemas, o pessoal do botequim acena e fica por isso mesmo. Mas se essa gente não fala mais de Fórmula 1, fala do quê, diabos? Fiz o teste, semana passada, depois do GP do Japão. Foi uma corridinha chinfrim, tudo bem, mas era um assunto, oras. Ainda mais aqui em São Paulo, onde o futebol também anda em baixa com todos os times dando vexame, exceto a minha Portuguesa, que continua como sempre foi. No bar , pedi a costumeira caracu com ovo (é mentira, nunca tomei isso na minha vida, mas achei legal escrever para fazer tipo; na verdade, pedi um guaraná e um café, combinação pouco usual, mas interessante) e abri as conversações com o zé do balcão. Como se sabe, todo cara que fica no balcão chama zé, assim mesmo, com z minúsculo, porque zé é uma instituição nacional, e não um nome. E aí, zé, viu ontem à noite? Partindo de mim, era óbvio que a pergunta se referia à corrida, ainda mais porque eu usava um boné da Williams assinado pelo Damon Hill. E o zé respondeu que sim, que tinha visto, como era de se esperar, ele que sempre foi fã do Mansell, e me garantiu que o Zé Biscoito, apesar das evidências, não era o assassino. É Zé Bolacha, eu disse, mas acabei concordando com a inocência do motorista de caminhão. Claro que o assassino é o Diego, ou então a Carmela. Opinião que já mudei ao longo da semana porque o Eliseo, último morto, conhecia o assassino, o viu na garagem e não estranhou sua presença lá, o que me faz pensar no mordomo, lógico. Mas mordomo é uma aposta muito óbvia, então fiquei com o Adalberto. Hoje, provavelmente, todo mundo já sabe quem é o assassino. E, de repente, eu mesmo percebi que comecei a falar de Fórmula 1 com o zé e acabei discutindo novela. Aliás, o bar inteiro entrou na conversa e ela foi muito animada, bem mais do que se os personagens fossem Rubinho, Schumacher e Hill. Depois da novela, falamos dos Mamonas Assassinas, que tocam o dia inteiro no rádio músicas sobre surubas, camelos copulando, brasílias amarelas e cabelos da hora. Eu, pessoalmente, gosto e acho engraçado, especialmente aquela parte que diz oh, yes! oh, nos e music is very porreta. É, a F-1 está perdendo pros Mamonas e pro Zé Bolacha. Mas a novela já acabou e logo o pessoal se cansa das surubas assassinas. Aí o Schumacher começa a se dar mal na Ferrari, o Irvine tira ele de uma ou duas corridas, o Alesi pega o Berger com sua noiva japonesa e quem sabe eu recupero o ibope.

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