O ÚLTIMO HERÓI DA PENA – 11/03/2005

Chama-se “O último herói americano” o texto de Tom Wolfe publicado em “Radical Chique e o Novo Jornalismo” (Cia. das Letras, 2005), uma coletânea de artigos do jornalista e escritor americano que foi um dos expoentes do “new journalism”, um quase-movimento literário surgido nos anos 60 que se pretendia isso mesmo: transformar a linguagem chata e sem sal do jornalismo diário em literatura, conferir-lhe algum senso estético, aproximar o ofício de escrever para jornal de algo parecido com arte.

“O último herói” é uma grande reportagem escrita há 40 anos sobre uma corrida de Nascar disputada em North Wilkesboro, na Carolina do Norte. O local é o que menos importa, era apenas mais uma corrida da então já muito popular stock car americana, tendo como personagem central um piloto chamado Junior Johnson.

Wolfe era jovem e descolado quando foi escalado para “cobrir” a corrida. Na verdade, escrever sobre aquele mundo seria uma definição mais apropriada de sua pauta, saber quem venceu ou perdeu era um detalhe pouco relevante. O universo das corridas é que interessava.

Para quem não está habituado, o mundo da velocidade é mesmo surpreendente e cheio de histórias. Wolfe capta o espírito da coisa com maestria e graça, saca que ali brilhava “o mesmo automóvel que estava transformando a vida do homem, seu próprio símbolo de liberação. (…) Você pode comprar um carro igualzinho ao que esses malucos fabulosos pilotam toda semana com essas velocidades fabulosas, e uma parte dessa força e desse carisma é sua”.

Junior Johnson, o herói, é um caipira do sul que desenvolveu suas habilidades fugindo da polícia para contrabandear bebidas. É vivo, tem 74 anos e depois que parou de correr virou chefe de equipe, tem lá seu lugar na história da Nascar com suas 50 vitórias e mais de 120 como dono de time. Wolfe deve ter tentado entrevistá-lo e concluiu que ele só era capaz de dar três respostas a qualquer tipo de pergunta: “Hã-hã”, Hã-hã” e “Não sei”. Genial.

É uma delícia ler sua descrição de um típico autódromo americano (“O centro da pista é como o fundo de uma tigela”) e do significado das corridas: “(…) a bandeira abaixa, todo mundo no centro da pista e nas arquibancadas está de pé, enlouquecido, e, de repente, aquilo é o ambiente de uma grande orgia de tudo que é excitação e liberação que o automóvel representa para os americanos. Uma orgia!”.

Possivelmente, se fosse enviado hoje para escrever sobre uma corrida de F-1, Wolfe produziria uma peça cheia daquilo que nós, que nos achamos entendidos, chamamos de “coisa velha”. Sim, o que é novo para uns pode ser velho para outros. Talvez seu texto saísse cheio de erros factuais, dada a especificidade do tema. Talvez ele se espantasse com o comportamento dos personagens com quem esbarraria num paddock e sobre eles traçasse perfis imprecisos, julgamentos equivocados, que para os —de novo — “entendidos” soassem até ridículos.

Mas, certamente, ele produziria algo brilhante a partir de um olhar diferente, nesta era de informação tão rápida quanto de baixa qualidade, tão instantânea quanto medíocre.

Um olhar que falta ao jornalista de hoje, enfastiado com o ritmo de sua vida, dos acontecimentos, com a banalização de tudo.

O que está faltando ao mundo é olhar para ele de outro jeito, e eu adoraria ver Tom Wolfe escrever sobre F-1, para perceber o que já não percebo.

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